A Estrela Oculta do Sertão


Segundo documentário da dupla formada por Luize Valente e a fotógrafa Elaine Eiger, realizado em 2005 e vencedor do Prêmio de Melhor Documentário no Festival de Cinema Judaico de São Paulo em 2005.

O sertão nordestino é pano de fundo desta viagem às raízes do Brasil onde costumes e tradições apontam uma origem judaica que se confronta com o judaísmo oficial a partir do momento em que um grupo de pessoas resolver reivindicar essa identidade.


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SINOPSE
O que têm em comum Luciano Oliveira, um jovem médico da Paraíba, João Medeiros, um engenheiro aposentado de Natal e Odmar Braga, um policial negro pernambucano? Os três nasceram em famílias cristãs do sertão nordestino mas seguem a religião judaica. Não se converteram. São judeus retornados.

Curioso? Inusitado? Judaísmo no Sertão?

E o que dizer do Monsenhor Araújo, um padre renomado do Seridó, extremamente católico, que se apresenta como judeu da diáspora? E de dona Cabocla, nascida e criada no vilarejo de Venha Ver, Rio Grande do Norte, beata, devota de 26 santos, e com hábitos nada cristãos como orar para a Lua Nova, sepultar os mortos com mortalha e sem caixão e jogar fora as "águas" da casa quando morre alguém?

Alguns costumes entre tantos outros arraigados na cultura sertaneja - como não comer carne de porco, colocar pedrinhas em túmulos, cobrir os espelhos durante o luto - que até duzentos anos atrás levavam seus praticantes às fogueiras da Inquisição Portuguesa como judaizantes. Para Dona Cabocla, hábitos inconscientes... Para o Monsenhor Araújo, apenas uma herança histórica... Para Luciano, João e Odmar, indícios para assumir  a condição judaica.

E o que acontece quando os  judeus do sertão se confrontam com o judaísmo oficial representado pela ortodoxia? São aceitos como judeus?

O documentário A Estrela Oculta do Sertão coloca frente a frente dois lados de uma mesma moeda. Ao confrontar o judaísmo oficial com o judaísmo dos  retornados, são trazidas à tona questões como tolerância, identidade, preconceito e fé.

Até que ponto o reconhecimento do outro é mais importante do que a própria crença em quem somos? Quem determina afinal se uma pessoa pode ou não seguir determinada religião? As respostas ficam para o espectador...

A primeira metade do documentário se passa no Nordeste, apresentando os personagens e mostrando o que existe na cultura brasileira que pode ser apontando como de origem judaica. Já a segunda acompanha a ida do médico Luciano Oliveira, de 26 anos, a São Paulo, o encontro com a comunidade oficial e o confronto com os rabinos ortodoxos.


BASTIDORES
A ideia do documentário A Estrela Oculta do Sertão surgiu no ano 2000, a partir da leitura de uma matéria de jornal sobre uma pequena vila – com menos de 800 habitantes – no extremo oeste do Rio Grande do Norte, chamada Venha Ver.

Segundo a reportagem, um rabino americano havia constatado que a população local, apesar de totalmente católica, possuía hábitos nada cristãos, principalmente os relacionados aos costumes de morte. Os habitantes, cujas famílias viviam na região há mais de três séculos, casavam entre si, conheciam sua genealogia e tinham certas práticas que eram passadas dentro da família, sem caráter religioso. Enterravam os mortos em terra limpa, sem caixão, envolvidos em mortalha; lavavam os corpos e cortavam as unhas dos defuntos; jogavam fora as águas da casa durante o velório... Rituais semelhantes aos praticados no judaísmo, muitos deles tão antigos que nem são mais tão usuais nos dias de hoje.

O curioso é que Venha Ver se encontra numa das áreas mais pobres do país. Possui apenas uma rua, uma igreja e um posto médico... O acesso é difícil, por estrada de terra. Nos arredores, moram cerca de 2500 pessoas, a maioria sem luz elétrica... A nós coube a pergunta: como essa parte da população poderia ter hábitos judaicos? Como o judaísmo teria chegado ao Sertão?

A partir daí, começamos uma longa jornada que nos levou aos nossos colonizadores. O Brasil foi descoberto em 1500 pelos portugueses, apenas três anos depois do decreto do rei Dom Manuel que obrigou todos os judeus em Portugal a se converterem ao catolicismo. Ficaram conhecidos como cristãos-novos, marranos, conversos, anusim.

Era o início da Inquisição Portuguesa, que só seria abolida em 1821. O que pouca gente sabe é que, em Portugal, nesta época, 10% da população de um milhão de habitantes - cerca de 100 mil pessoas - era  de origem judaica. Para se ter uma ideia, segundo o IBGE, o Brasil conta, no início do século XXI, com 120 mil judeus... em quase 200 milhões de habitantes.

Em 2002, realizamos o documentário Caminhos da Memória – A Trajetória dosJudeus em Portugal, para onde fomos à procura dos resquícios da presença judaica em território lusitano. O contato com historiadores e antropólogos nos deu embasamento e, de certa forma, nos direcionou para o documentário que queríamos fazer desde o início: sobre as raízes judaicas do Brasil... afinal, fomos colonizados pelos portugueses!

Segundo a historiadora da USP, Anita Novinsky - autoridade mundial em Inquisição Portuguesa -, um em cada três portugueses que aqui chegaram nas primeiras décadas do Descobrimento era cristão-novo.

No entanto, o que se iniciou como um trabalho de registro de costumes e tradições, sem conotação religiosa, algo mais próximo da antropologia, ganhou vida e emoção quando chegou às nossas mãos a carta de um jovem médico da Paraíba que se dizia judeu de origem cristã-nova mas que não era reconhecido como tal pelo judaísmo oficial.

Foi o fio de uma meada que nos levou aos Estados de Pernambuco, Rio Grande do Norte e Paraíba, onde entrevistamos outros nordestinos na mesma situação. Pessoas que, ao revirarem o passado, descobriram que suas famílias tinham tradições de origem judaica, que mantiveram os costumes através de casamentos endogâmicos, e que, ao resolver retornar à religião judaica, encontravam as portas fechadas. Casos como o da família Medeiros de Natal, já na terceira geração de retornados; do poeta negro pernambucano Odmar Braga e seus filhos; e de Luciano Oliveira, o jovem médico da carta, são uma amostra de um fenômeno que vem ganhando cada vez mais força no nordeste: a consciência do marranismo.

Desembarcamos em Recife em janeiro de 2004 e durante um mês rodamos o Sertão – principalmente da Paraíba e Rio Grande do Norte, região do Seridó –, indo até o extremo oeste do Rio Grande do Norte, na cidade de Venha Ver. Passamos por  Natal, Mossoró, Caicó, João Pessoa. Encontramos especialistas, famílias que retornaram ao judaísmo, famílias católicas com costumes judaicos. Constatamos em Venha Ver o que havíamos lido no jornal...
Luize Valente & Elaine Eiger


FICHA TÉCNICA
Duração: 85 minutos
Produtora: Fototema

Pesquisa, roteiro, produção, fotografia, direção, edição:
Luize Valente e Elaine Eiger

Consultoria e participação especial:
Anita Novinsky, Historiadora USP
Paulo Valadares, Historiador e genealogista USP
Nathan Wachtel, Antropólogo do Collège de France

Trilha Sonora:
Grupos Longa Florata e Música Antiga da UFF
Banda Klezmer Brasil (participação especial)


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